
Por mais que eu pensasse o contrário, nada nunca foi tão real quanto aquele momento. Foi como receber uma bênção de uma divindade, iluminado pela aura do mais belo anjo; no instante em que ela entrara em meu quarto foi como de forma instantânea minha mente se esvaziasse de tudo que era bom ou ruim, cada centímetro do meu corpo estava voltado a ela. Olhei-a várias vezes de cima a baixo, mas não conseguia desviar de seus olhos, desvaneci em meio ao seu sorriso. Qualquer descrição para um momento simbólico e sagrado como este seria completamente irrelevante, pois qualquer palavra que ousasse sair da minha boca não seria suficiente para classificar o sentimento que tomara conta de mim naquele instante.
- Obrigado Ícaro, agora deixe-nos a sós, por favor . – Disse ela desviando seu olhar para Ícaro.
- Com sua licensa Diana. – Retribuiu Ícaro com um sorriso deixando o quarto e fechando a porta. - Meu filho... – Disse Diana voltando seu olhar novamente para mim.
- Por quê? Tanto tempo sozinho e a encontro pela primeira vez.... Aqui. – Com muita dificuldade dirigi estas palavras à minha mãe.
- Está tudo bem agora, estou aqui. – Aquilo soou para mim como um golpe de misericórdia, tudo que consegui fazer foi cair de joelhos perante sua presença e a abraçar. Senti percorrendo meu rosto lágrimas que formigavam minha pele e em resposta, ela abaixou-se limpando meu rosto e correspondeu ao meu abraço .
- Tudo que eu sempre quis, ninguém nunca pode me dar. Nunca precisei de ninguém em toda minha vida, por que isso agora? Não está certo, nada aqui faz o menor sentido! – Disse ainda abraçado com ela ao chão.
- Vincent, você está em outra vida agora. Tudo aqui tem um sentido e um ideal, você ainda está muito confuso, chegou a muito pouco tempo aqui. Mas logo entenderá. Agora deixe-me olhar para você, quero ver o meu filho de perto. – Disse minha mãe confortando-me segurando meu rosto e sorrindo para mim.
- Você... É tão linda. – Respondi, segurando uma de suas mãos, sentindo-a.
- Seus olhos, seu cabelo, se você não fosse um homem, acho que iriam achar que criei um clone meu dentro da minha barriga durante 9 meses. – Brincou.
- O papai sempre disse que Deus resolveu trocar você por mim e que para ele sofrer menos, me fez o mais parecido possível com você.
- Ah seu pai. Como sinto falta dele, mas sempre estou o vigiando. Fiquei muito feliz que ele tenha encontrado alguém para amar. Barbara é uma boa mulher, é muito bom vê-lo feliz com ela ao seu lado. Mas há alguém que parece não gostar muito dela, não é mocinho? – Disse minha mãe com um tom adversativo.
- Mãe, veja bem: Eu gosto dela e a respeito. Apenas não sou simpático! – Respondi envergonhado.
- Você tem um raciocínio bem rápido meu futuro jornalista, mas é péssimo em disfarçar seus sentimentos. – Retrucou de volta se levantando e se dirigindo à cama do quarto comigo.
- Admito que ela faz muitas coisas boas por mim e que faz o máximo que pode para compensar minha ausência materna, mas mãe, não é a mesma coisa! É como se ela tentasse ser você. – Sentei junto com minha mãe deitando-me sobre seu colo.
- Filho, ela jamais será sua mãe. Esta sou eu, mas você precisa dar uma chance a ela. Barbara não quer tomar o meu lugar e sim cuidar de você como eu cuidaria. – Parei por um instante sentindo meu cabelo sendo acariciado.
- Mas mãe, como eu posso enxergar você em uma pessoa que nem ao menos esteve presente em todos meus momentos?
- Eu posso ser a sua mãe biológica e estarei sempre aqui. Mas na Terra é ela que cuida e cria você Vincent. É isso que uma mãe faz com seus filhos não é?
- Sim...
- Pense nisso, você verá o quanto Barbara poderá ser boa para você assim como Helena que, diga-se de passagem, seria uma ótima namorada!
- Mãe! – Encarei-a ficando avermelhado de vergonha.
- O que foi? Você gosta dela não gosta? Não me esconda nada filho, uma mãe sabe de tudo!
- Somos apenas bons amigos mãe...
- Você diz isso por que nunca parou para olhar o jeito que ela o olha.
- Como sabe de tudo isso?
- Estou sempre olhando você e seu pai, ou acha que só por que estou aqui me esqueci dos meus homens em Terra?
- Saber disso me conforta demais, mas confesso que sobre Helena, bom é a única amiga que eu tenho e sou o único amigo que ela tem, então...
- Então, por que não tornar isso algo maior?
- Somos muito diferentes mãe! Ela quer ser estilista e gosta de muitas coisas que não me agradam.
- E você quer ser um jornalista que também gosta de muitas coisas que não agradam a ela, um perfeito encaixe não? E além do mais, vocês se dão muito bem Vincent! Não deixe isso escapar, não tenha medo de amar e ser feliz. Mas essa felicidade nunca virá se você continuar com certos vícios.
- Não mãe, não me diga que...
- Sim Vincent, eu vi você usando drogas. Filho porque sustentar isso?
- Elas me ajudam a esfriar a cabeça, meu dia-a-dia me força a usá-las!
- Quer esfriar a cabeça, tome um banho de água fria, usar drogas é o mesmo que se suicidar filho, por muito pouco você não foi parar no círculo 2.
- Se era lá que eu merecia estar, por que vim parar aqui então?
- Porque você não desencarnou devido às drogas filho, você não pediu para vir para cá do jeito que veio.
- Do mesmo jeito que não pedi para estar aqui mãe!
- Mas você está Vincent, você precisa aceitar isso.
- Eu tenho muitas coisas pendentes para fazer em Terra ainda!
- Pode fazer todas elas aqui meu filho.
- Não mãe, não escolhi estar aqui e preciso voltar, Barbara, Helena e o papai vão sentir minha falta. Como já devem estar sentindo.
- Vincent, você não sabe o que está dizendo, voltar apenas por eles não valerá a pena. Me escute!
- Não são só eles mãe, é a mim também. Posso não valorizar minha vida, mas tenho muitos planos e quero realizar todos!
- Se desapegue da matéria, no final de tudo você não levará nada de lá Vincent!
- Mãe tente me entender eu... Ah Maldição! – De repente meu ferimento começou a doer profundamente.
- É sua ferida não é? Deixe-me ver. – Disse retirando minha franja do meu ferimento analizando-a. Vincent, essa dor pode passar, é só você aceitar ficar aqui.
- Ela também pode passar quando eu retornar ao meu corpo. – Respondi com minha voz trêmula. – Não entendo, você me deu tantos conselhos para seguir na Terra e agora insiste tanto para que eu fique.
- Ainda me restava uma esperança de que eu conseguiria fazer você ficar Vincent.
- Mãe, mesmo que eu vá, eu voltarei um dia e dessa vez, para sempre.
- É isso mesmo o que quer?
- Sim.
- De todo seu coração?
- De toda minha alma que aqui se encontra.
- Não há alegria maior para uma mãe do que ver o seu filho realmente feliz. E neste momento, não há orgulho maior para mim do que saber que o meu próprio filho, já se tornou um homem. – Sorriu colocando uma das mãos sobre meu rosto e com seus olhos mareados.
- Eu te amo mãe. Me perdõe por todos os erros que cometi na Terra e pelos que ainda vou cometer.
- “Quando pensar que tentamos de tudo e até mesmo as possibilidades de fazer tudo certo, continuaremos a praticar os mesmos velhos erros. Fazendo tão inesperada e facilmente um equilíbrio de quando vivemos no limite de nossas vidas, faça uma oração no livro dos mortos.”
- Blood Brothers, Iron Maiden, eu adoro essa música.
- Sua mãe também era uma roqueira! E foi essa a música que escutei enquanto estava grávida de você Vincent. E a última que ouvi antes de morrer. – A abracei enquanto suas lágrimas molhavam meu ombro.
- Mãe, me explica por que o Céu é azul? – Sorri.
- Desculpe filho, não posso. Senão terei de lhe explicar a grande fúria do mundo também! – Respondeu rindo.
- Filho, gostaria de passar a eternidade com você, mas não agora. Eu tenho que ir, meu dever me chama.
- Não mãe espere! Ícaro me disse que você me diria o que eu teria que fazer para voltar para a Terra.
- Não Vincent, será ele mesmo que irá lhe dizer. Por mais que seja minha obrigação fazer isso, a responsabilidade é dele.
- Mãe... Quando a verei denovo?
- Só o destino dirá meu filho, mas lembre-se: Você nunca está sozinho. Quando quiser me ver, basta fechar seus olhos. Até breve, meu jornalista. – Ela abraçou-me, beijou minha testa e desapareceu.
Naquele momento um vazio imenso tomou conta de mim. Me sentei encostando-me na parede da janela olhando para o nada. Pensando em minhas próprias escolhas, mas tudo que podia sentir era uma dor, mais funda do que minha ferida. Uma chaga na qual só eu poderia erradicar de mim. Então fechei meus olhos procurando inutilmente segurar minhas lágrimas.
- Foi um momento surreal não? – Disse Ícaro surgindo ao meu lado encostando-se na parede.
- Só queria ficar por mais tempo, muito mais.
- Você escolheu isso e sabia das conseqüências, nada no universo é relativo. Ou é uma coisa ou outra, jamais as duas. É a única coisa que nem seu livre arbítrio é capaz de ultrapassar.
- Livre arbítrio, universo. Não estou nem aí para isso, só quero... Estar em seus braços mais uma vez.
- Ela estará em todos os lugares Vincent, nunca se sinta sozinho, jamais.
- Então por que me sinto tão solitário?
- Por que você faz da sua vida um poço de solidão. Com tão poucas pessoas fazendo tanto por você.
- Eu não sei de mais nada...
- Sabe sim Vincent e o que está esperando para receber esta segunda chance mais uma vez?
- Um milagre, quem sabe. – Desviei meu olhar para Ícaro.
- Sabe Vincent, milagre de verdade é alguém que não possui metade da vida que você tem e ainda acordar sorrindo todos os dias. É uma mãe encontrar seu filho em outra vida e restabelecer laços que a Terra rompeu. – Disse Ícaro sentando-se ao meu lado e olhando para mim.
- Posso mesmo fazer isso?
- Você deve.
- Obrigado Ícaro, de verdade. – Estendi minha mão cumprimentando-o.
- Não há de que jovem jornalista. – Respondeu retribuindo o gesto. – Mas agora vamos, você precisa voltar para a Terra antes que seja tarde.
- Sim. – Disse me levantando e puxando-o comigo.
- Mas antes eu gostaria de pedir uma coisa.
- O que?
- Posso ir ao banheiro?
- Está brincando não é? - Indagou Ícaro levantando uma sobrancelha.
- Estou sim, foi só para descontrair.
- Engraçadinho, vamos.
- Depois de você.
- Obrigado.
E naquele momento, um mundo novo iria surgir. Tudo seria diferente, uma vida nova está para recomeçar para mim, para todos.
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